terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cisne Negro

Diz-se que o cinema é o equilíbrio perfeito entre o real e o irreal. Que as imagens em movimento emprestam uma dose perfeita de realidade à fantasia que é a sétima arte. Mas o arrebatamento que alguns filmes causam, nos faz repensar esse equilíbrio, fazendo-nos considerar a hipótese daquela história estar acontecendo exatamente naquele momento em que estamos assistindo. Somos tocados pelos acontecimentos, sentimos o que os personagens sentem, vemos o que eles veem, da maneira que eles enxergam o mundo... E isso, nenhum recurso 3D consegue superar: essa experiência de ser capturado pela ficção, de se entregar à sua verdade irreal!


O novo longa de Darren Aronofsky, de O Lutador (2008), tem essa capacidade de colocar o espectador na pele da personagem principal, Nina, vivida por Natalie Portman, de Entre Irmãos (2009). E, de cara, já deixa suspenso no ar uma pergunta perturbadora: o que há além da perfeição, se o que é perfeito está acabado? Se a perfeição é a exclusão dos defeitos, das imperfeições, ser perfeito parece algo muito diferente de ser humano. Como não sofrer tentando não ser humano? Como não se ferir na busca obsessiva por superar os próprios limites?

Nina sofre. Sofre porque se sente o tempo todo incapaz de ser perfeita, embora empregue todo seu tempo e energia na tentativa de sê-lo. E, se considerarmos sua ocupação de bailarina, o seu sofrimento parece ainda maior. O balé, com sua disciplina rigorosa e a constante busca da perfeição, acaba se configurando como um cenário cruel para Nina. Na expectativa de conseguir a posição de destaque na companhia de balé para interpretar o cisne branco e o cisne negro, Nina se leva e nos leva ao extremo. E sua mãe, Erica Sayers (Barbara Hershey), é uma ex-bailarina que mais parece a carrasca da filha, mantendo-a num universo maternal e de um controle perverso, colaborando para as obsessões e perda da noção de realidade sofridas pela filha.

Nina apresenta sinais de distúrbios alimentares, autoflagelação e delírios, exibindo uma personalidade controladora, tensa e instável. Ela trava uma relação doentia até com a ex-bailarina principal, Beth Macintyre (Winona Ryder em participação especialíssima), por se sentir culpada ao substituí-la. Nina está sufocando, nós vamos juntos ao longo do filme. Os personagens do ótimo Vincent Cassel (Thomas Leroy) e de Mila Kunis (Lily), tentam trazer Nina para a realidade por intermédio do erotismo e do prazer, mas acabam por confundir ainda mais a bailarina, potencializando as suas paranoias.

Cisne Negro já deixa claro, na sua sombria e poderosa sequência inicial, que trata-se de uma história perturbadora. O reflexo do rosto de Nina no vidro do metrô, os closes dos pés maltratados pela dança, suas terríveis alucinações, sua angústia... Tudo faz de Cisne Negro um exemplar de terror psicológico de muita qualidade, dirigido com competência e povoado por personagens densos e inquietantes, com destaque para Natalie Portman, que se entrega física e emocionalmente ao personagem, de tal forma que nos oferece uma sensação incomodamente intensa de que Nina é real.



5 Indicações ao Oscar: Filme, Diretor, Atriz (Natalie Portman), Fotografia, Edição.

Cisne Negro (Black Swan) – 108 min
EUA – 2010
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Mark Heyman, Andrés Heinz, John McLaughlin
Com: Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder, Benjamin Millepied, Ksenia Solo




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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um Lugar Qualquer



Ter um salário de milhões e ser um astro do cinema parece um sonho para muita gente. Viver dando coletivas de imprensa, participando de premiações, tendo muitas mulheres à disposição e conforto poderia muito bem configurar o cenário deste sonho, no qual tudo pode acontecer. Ou quase nada... Johnny Marco (Stephen Dorff, de Inimigos Públicos) é um desses astros de Hollywood com uma vida confortável, cheias de festas, sexo casual e por que não? – tédio.

Enquanto dançarinas de pole dance o entretêm como se fossem animadoras de festas, Johnny demonstra todo o seu tédio cochilando durante a apresentação das moças. As festas ocorrem em sua casa, sem que ele mesmo tenha planejado isso, causando a ele um certo desconforto resignado quando chega em casa para dormir  e precisa “fazer a social” com os convidados.

A vida de Johnny não parece pertencer a ele. Em certo momento, numa de suas coletivas de imprensa, um dos jornalistas pergunta: “Quem é Johnny Marco?”. E a indagação é seguida por um silêncio constrangedor, servindo de pano de fundo para ilustrar a sua crise existencialJohnny é um personagem na sua própria vida, personagem este que ele não entende, para quem ele não olha. Ele é alguém que ele mesmo não conhece...



Mas Johnny tem uma filha de 11 anos, Cleo (Elle Fanning, de O Curioso Caso de Benjamin Button), que passa alguns dias com o pai antes de ir para o acampamento de férias. E, ao contrário do acontece em muitos filmes, nos quais um evento destes representaria a salvação milagrosa da vida moribunda do pai, a menina vai colorindo a sua vida naturalmente. Por meio de gestos cotidianos, como preparar um almoço ou jogar videogame, Cleo vai resgatando em Johnny sua figura de pai e acaba o ajudando a resgatar seu olhar sobre sua própria vida.

O filme novo de Sofia Coppola (de Maria Antonieta) segue o padrão da diretora de abordar o tédio com suavidade, questionando o modo de vida dos astros do cinema. Entretanto, a questão mais interessante permanece: o tédio está no contexto em que se vive ou no modo como uma pessoa interage  com o seu mundo? Estreia: 28 de janeiro.

Um Lugar Qualquer (Somewhere) – 97 min
EUA – 2010
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Com: Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius


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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Inverno da Alma



É preciso muita coragem para, com 17 anos de idade, um irmão de 12, uma irmãzinha de 6, uma mãe doente e um pai desaparecido, encontrar forças para enfrentar sérios problemas deixados pelo pai Jessup Dolly. Mas, Ree Dolly (Jennifer Lawrence, de Vidas que se Cruzam) parece ter essa coragem. Ou precisa ter. Membro de uma família envolvida com tráfico e consumo de drogas, Ree precisa ir em busca da verdade sobre o desaparecimento de seu pai após ser ameaçada de despejo, devido ao fato dele ter deixado a casa como garantia para pagar sua fiança da prisão. Durante sua trajetória, Ree nos guia por um cenário frio e isolado.

A vizinhança, solidária dentro do limite do medo, tenta ajudar a garota, sem muito poder contribuir. Não há tempo, nem comida, nem qualquer pessoa que possa se responsabilizar pela situação de sua família. O tio da garota, Teardrop (John Hawkes), é viciado e agressivo, a melhor amiga faz o que pode para apoiá-la, embora pouco possa fazer para ajudá-la a encontrar o pai, e os demais evitam falar sobre o assunto. O xerife pressiona Ree, os irmãos pequenos inspiram cuidados... A certa altura, já não importa tanto se Jessup está vivo ou morto e, sim, se há como provar se ele está vivo ou morto. Tendo que encarar circunstâncias tão difíceis, Ree nem tem tempo de se lamentar e arrisca a sua vida desafiando aqueles que dominam e impõe o regime do medo naquela cidade perdida no sul dos EUA.

E, exatamente por conta de sua coragem, Ree consegue sensibilizar com seus argumentos absolutamente humanos ou instinto de sobrevivência até mesmo as almas mais ásperas. Ela demonstra uma noção de realidade impressionante ao cuidar e ensinar a seus irmãos noções básicas de sobrevivência, como caçar para comer, o que só ajuda a ilustrar o realismo cru de Inverno da Alma, da diretora e roteirista Debra Granik, que, a julgar por seu filme anterior, Down to the Bone (2004), parece ter uma predileção por abordar histórias de sofrimento relacionadas ao consumo de drogas. Winter's Bone (no original) é uma história que envolve o espectador sem recursos narrativos melodramáticos e nos faz lembrar que a solução de problemas, e a nossa existência enquanto seres humanos, exige, acima de tudo, a conservação da nossa própria dignidade. Estreia: 28 de janeiro.

Inverno da Alma (Winter's Bone) – 100 min
EUA – 2010
Direção: Debra Granik
Roteiro: Debra Granik, Anne Rosellini – Baseado no romance de Daniel Woodrell
Com: Jennifer Lawrence, Isaiah Stone, Ashlee Thompson, Valerie Richards, Shelley Waggener, Garret Dillahunt, William White, Ramona Blair, Lauren Sweetser, John Hawkes


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A Última Estação




Do que é feita uma ideologia? Sem dúvidas, de ideias e de um desejo de realizá-las, de convertê-las em ações para transformar o mundo. Para o escritor russo do século XIX, Leo Tolstoy (autor de Guerra e Paz e Anna Karenina), talvez esse desejo fosse representado pela defesa da justiça social e liberdade, numa ânsia de proporcionar às pessoas o direito de serem sujeitos ativos de suas próprias vidas. Para ele, a propriedade privada aprisionava a ideia do coletivo, da igualdade de direitos, assim como as doutrinas da Igreja aprisionavam os pensamentos, distorcendo nossas concepções sobre o mundo. Tolstoy, ao longo do tempo, desenvolveu sua própria filosofia de vida, tornando-se vegetariano, defensor da não-violência, convivendo e vestindo-se como um camponês.

Entretanto, seu discurso acabava contendo algo de doutrinador, orientando, como em um manual, o modo de viver tolstoiano, deixando claro como é difícil ser idolatrado como um gênio, sem perecer da própria idolatria. Dessa forma, os tolstoianos mais radicais – como o braço direito de Tolstoy, Vladimir Chertkov (o sempre excelente Paul Giamatti, de Almas à Venda) e sua filha Sasha Tolstoy (Anne-Marie Duff) – utilizaram o discurso de seu mestre para sustentar uma doutrina baseada num certo radicalismo e intolerância em prol de sua propagação.



Leo Tolstoy construiu a sua vida e suas ideias ao lado da esposa Sofya Tolstoy (a irretocável Helen Mirren, de RED) e é justamente essa relação que expõe os seus limites ideológicos: a intenção da liberdade e amor e a prática rígida da doutrina pelos seus seguidores. Sofya questiona ferozmente Leo, numa mistura de ciúme e apreço pela estrutura e patrimônio familiares, embora o ame e admire profundamente. Leo vê-se encurralado entre sua cumplicidade de ideias partilhada com Vladimir Chertkov e seu amor e respeito por Sofya.

Nesse redemoinho de emoções e filosofia, embarca, como secretário particular de Tolstoy, Valentin Bulgakov (James McAvoy, de Desejo e Reparação). Admirador declarado de Leo, sempre cambaleante entre seu radicalismo ingênuo e sua adoração pela figura de Tolstoy, ele acaba por representar um ponto de equilíbrio nos conflitos ao longo da história, expressando uma doçura comovente. Com um elenco de tirar o fôlego, A Última Estação, de Michael Hoffman, nos presenteia com uma fração da história de Leo Tolstoy que, embora pequena, é capaz de dar a dimensão afetiva e humana das ideias desse pensador. Em sua última estação, Tolstoy sorri e nos deixa, enfim, a sua mensagem: “Tudo que sei, sei porque amo”. Estreia: 28 de janeiro.

A Última Estação (The Last Station) –112 min
Alemanha, Rússia, Reino Unido – 2009
Direção: Michael Hoffman
Roteiro: Michael Hoffman – Baseado no romance de Jay Parini
Com: Helen Mirren, Christopher Plummer, James McAvoy, Paul Giamatti, Anne-Marie Duff, Kerry Condon, John Sessions, Patrick Kennedy

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